30 abril 2007

O LIVRO DOS BONS PRINCÍPIOS (L)

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Olga sorri para mim na fotografia que está sobre a secretária, junto ao computador, pisca-me o olho na sala de estar, no velho aparador que foi da sua avó, volta a sorrir-me dentro de uma moldura que ela própria fez e colocou em cima da minha mesa de cabeceira, no nosso quarto.
Olhar para ela faz-me sofrer, mas algo em mim me obriga a fazê-lo constantemente, não sei se algum dia ganharei coragem para afastar estas fotografias da minha vista, se elas alguma vez deixarão de me doer.
Recordo cada momento dos últimos dias - estávamos tão contentes, a alegria dela contagiava-me. Olga encontrara finalmente um produtor para o seu primeiro filme, a primeira longa-metragem a sério. Empenhara-se tanto! Vinha de uma reunião com a equipa de produção, estacionara o carro em frente à nossa casa, do lado oposto da rua. Ao atravessá-la foi colhida por um carro vermelho que vinha a grande velocidade. Olga foi projectada pelo ar, eu estava em casa e ouvi um grito, senti o ruído surdo da colisão. Espreitei pela janela e vi o corpo imóvel de Olga junto ao passeio. Corri como um louco em direcção a ela. O condutor não parou. Olga, a minha adorada Olga, não se mexia. Percebi logo que estava morta.
Olga olha para mim e sorri-me sobre a secretária, junto ao computador. O seu sorriso mata-me por dentro e eu choro com pena de mim, dos nossos sonhos desfeitos, dos filhos que planeávamos e que nunca teremos. Depois olho eu para ela e prometo-lhe, pela milésima vez, que não arrumarei as fotografias, ainda que o seu sorriso continue a matar-me por dentro, enquanto não encontrar o condutor do carro vermelho.
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continua a ser escrito aqui às segundas-feiras
pela mão de Maria do Rosário Fardilha

24 abril 2007

Couple Coffee - Conversa de Botequim [ videoclip ]

Simplicidade, talento e bom-gosto. Até parece fácil...

XCV

A morte, quando não tem trabalho, inventa. Há mortos que morrem muitas vezes.


XCVI

Repara como a vida fervilha. É por isso que se evapora.
do Caderno de Pensamntos do Sr. Anacleto da Cruz

23 abril 2007

O LIVRO DOS BONS PRINCÍPIOS (XLVIII)

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Envelhece-se, com alguma sorte, envelhece-se. José Nascimento resignava-se com a gota, com o reumatismo, com a falta de ar, com a dor pemanente no peito.
A velhice terá certamente algumas vantagens, mas Nascimento não se conseguia lembrar de nenhuma. Habituara-se a lidar com as coisas, aprendera técnicas para compensar o inexorável esvair da virilidade, conseguia, por vezes, aplacar o medo e o terror nocturno, ignorava certos sinais com que o corpo o desafiava.
O pior de tudo era a má-disposição. Dava por si sempre mal-disposto, rezingava, resmungava por tudo por nada, tornara-se, lentamente, de forma quase imperceptível, o oposto do homem alegre que recordava ter sido.
Houvera um momento da sua vida que matara a alegria, ou esta fora-se consumindo até não restar traço nem centelha, até sobrar apenas amargura e cepticismo? Merda, repetia para si próprio, merda, merda, merda.
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para ler no Dia Mundial do Livro
e para continuar amanhã no

20 abril 2007

"Retratos de Animais"
de Svjetlan Junakovic
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Estão em marcha as inscrições
para a ilustrarte 2007
Bienal Internacional de Ilustracão para a Infância.
Todas as informações neste lugar.
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Um escultor para o fim de semana:


Antony Gormley Podem encontrar imagens aqui ,

visitar o site oficial,
ou visitar esta peça no Parque das Nações
em Lisboa

18 abril 2007

O rato pariu uma montanha!
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Depois de assistir à conferência de imprensa promovida pela Universidade Independente cheguei a uma conclusão definitiva: demita-se o país!
Ou talvez não valha a pena, pois um país que tem instituições universitárias e professores do ensino superior deste calibre já se demitiu há muito de si próprio. Nesse caso, declare-se Reserva Integral do Planeta e interdite-se ao género humano.
Assim, sempre haveria alguma esperança...
XCIII

Se fores comido pelo tigre, passas a usar a sua pele.



XCIV

Imagina um animal que não exista. Foi o que o mundo fez contigo.

do Caderno de Pensamentos do Sr. Anacleto da Cruz

17 abril 2007

Portugal, um retrato social
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Acabei de ver o quarto excelente retrato de Portugal por António Barreto. Faltam três. E, porque retrata um país composto por muitos países, vou continuar a ver, às terças-feiras, na RTP1.
Quem não viu os anteriores pode encontrá-los aqui.
Armas de fogo
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Um estudante entra numa universidade, mata trinta e dois alunos e fere outros vinte e um. A grandeza dos números deixa-me perplexo e não sei o que pensar sobre isto, não consigo perceber as motivações, nem a persistência, nem o desprezo por tantas vidas tão jovens. Sei que não podemos encarar estas coisas com naturalidade, como se de um fait-divers se tratasse.
Em Portugal, segundo dados divulgados a semana passada, a violência com recurso a armas de fogo tem aumentado.
Eu proponho um raciocínio simples (que, obviamente, não explica tudo): Uma simples pistola, tratada com cuidado relativo, mantém-se funcional durante décadas. Todos os dias a indústria mundial de armamento produz milhares de "simples pistolas" que duram, cada uma delas, décadas. O arsenal planetário de "simples pistolas" e etc. não cessa de aumentar. A continuar assim chegará o dia em teremos mais cidadãos armados do que cidadãos, por exemplo, bem nutridos. Acho que não podemos encarar estas coisas com naturalidade.

16 abril 2007

O LIVRO DOS BONS PRINCÍPIOS (XLVI)

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Para o Luigi
- Nome?
- Z., Joseph.
- Idade?
- Quarenta e seis.
- Ora, cá está. O senhor não sabia que todos os cidadãos são obrigados a apresentar-se perante esta comissão no ano em que completam quarenta e cinco de idade?
- Escapou-se-me... desculpe.
- Desculpo? Escapou-se-lhe? O senhor pensa que pode ignorar os fundamentos da nossa organização social apenas com um pedido de desculpas?
- Quer dizer, eu não pensei que fosse assim tão grave...
- Não pensou que fosse grave... O senhor não se apresentou perante a Comissão de Verificação de Idoneidade Existencial e acha que não é grave? Esse facto, para começar, não abona em favor da sua Idoneidade Existencial. O senhor sabe o que a nossa sociedade faz aos relapsos, aos indigentes, aos improdutivos, aos objectores de consciência, aos independentes?
- Afasta-os.
-Exactamente, afasta-os. E o senhor, na verificação anterior, quando completou vinte e cinco anos, passou com alguma benevolência por parte desta Comissão. Apesar disso não parece ter-se esforçado o suficiente para permanecer entre os cidadãos reconhecidos como tal.
- Mas eu...
- Não me interrompa. Tenho aqui o seu processo, está aqui tudo, a sua vida, digamos, minuto a minuto. Aviso-o desde já que o senhor está a um passo muito pequeno de passar a dispensável. A forma como decorrer este exame pode, ainda que eu duvide, fazer com que prossiga entre nós.
Vamos lá a ver... para começar a sua conta bancária é demasiado baixa e você consome muito pouco. Pode explicar as razões?
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Imagine o leitor-autor que pretende escrever um livro e não sabe por onde, nem como, começar. O LIVROS DOS BONS PRINCÍPIOS proporciona-lhe uma vasta gama de princípios para conto, novela ou romance que o leitor-autor poderá seleccionar livremente. Depois terá apenas que escrever o resto demorando o tempo que entender.
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continua amanhã no

13 abril 2007

JP Simoes- Inquietação @ Fnac Chiado

JP SIMÕES
Terceiro retrato: Duo

JP Simoes- 1970 (retrato) @ Fnac Chiado

JP SIMÕES
Terceiro retrato: Duo

JP Simoes- Micamo @ Fnac Chiado

JP SIMÕES
Terceiro retrato: Duo

12 abril 2007

Quinteto Tati-

JP SIMÕES
Segundo retrato: Quinteto Tati

BELLE CHASE HOTEL - FOSSANOVA

JP SIMÕES
Primeiro retrato: Belle Chase Hotel

BELLE CHASE HOTEL - SUNSET BOULEVARD

JP SIMÕES
Primeiro retrato: Belle Chase Hotel

11 abril 2007

Desconhecia a existência de uma Bienal de Pintura de Pequeno Formato em Portugal. Mas existe e vai já na terceira edição. É organizada pela Câmara Municipal da Moita e pela Junta de Freguesia de Alhos Vedros.
Cada autor pode concorrer com dois trabalhos, que não podem ultrapassar os 33 cm x 24 cm, e o prazo de candidatura termina já no dia 16 deste mês.
Os interessados podem pedir informações para:
Prémio de Pintura de Pequeno Formato Joaquim Afonso Madeira
932214015
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XCI

Sê tão fiel como o fiel da balança. Oscila de um lado para o outro.



XCII

Não uses o pirilampo para iluminar o teu caminho. Compra uma lanterna.

do Caderno de Pensamentos do Sr. Anacleto da Cruz

09 abril 2007

O LIVRO DOS BONS PRINCÍPOS (XLV)

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Havia, nesse tempo, um rio que atravessava a planície onde os meus bisavós construíram a sua casa. O rio ainda lá estava quando o meu avô nasceu, e ele passou a sua infância mergulhando nas suas águas, preparando armadilhas para peixes, caranguejos e camarões, inventando barcos e batalhas, sonhando com a descida dessa estrada de água que, algures, num lugar longínquo e desconhecido, ia desembocar no mar.
Na aldeia contava-se a história de dois jovens amantes, haver-se-iam passado duzentos anos, segundo alguns, trezentos, segundo outros, que se teriam amarrado um ao outro por grossas correntes e atirado juntos às águas, unindo-se para sempre através da morte. A lenda passara de boca em boca, de geração em geração, e fora sofrendo pequenas distorsões ao longo dos anos, gerando versões distintas, apesar de todas coincidirem no essencial: dois amantes muito jovens, ela muito bela e rica, ele muito feio e pobre, um amor sofrido e tormentoso e uma noite, uma única noite em que a sua paixão se consumara até que, ao romper da madrugada, nada mais lhes restava senão o rio. Depois disso, dizia-se, ouvia-se um canto triste e langoroso emergir das águas em noites de lua nova e havia ainda, passado tanto tempo, quem jurasse escutá-los e distinguir claramente a voz de cada um deles.
O meu avô teria perto de vinte anos quando o leito do rio foi desviado alguns quilómetros por causa de uns projectos de engenharia. No leito antigo sobraram alguns poços com água, pequenos lagos, zonas pantanosas e mal-cheirosas onde proliferavam os mosquitos. Foi num desses pântanos que se encontraram dois esqueletos abraçados, unidos por grossas correntes muito enferrujadas. Bernardo Soares, meu avô, passou o resto da sua vida a estudar esses ossos, a desvendar a sua história, a procurar localizar descentes dos seus familiares próximos, a consultar velhos papeis em arcas e cofres igualmente velhos, e escreveu um livro em que narra as suas conclusões. Infelizmente morreu antes de o dactilografar e publicar. É precisamente esse livro que eu, palavra por palavra, passo a transcrever:
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está hoje neste quiosque
e às terças

07 abril 2007

Kelvin Sholar Trio "The Firebird Suite"
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A organização anunciava "uma formação norte-americana que nos vem apresentar, em estreia mundial, o seu novo trabalho que acaba de ser gravado e que versa a sua intrepertação do Pássaro de Fogo de Stavinsky".
Kelvin Sholar confirmou-o e acrescentou que se tratava do seu arranjo jazz para a dita composição clássica. Muito bem acompanhado por John Arnold (bateria) e Jonathan Robinson (contrabaixo), Kelvin Sholar revelou-se um enormíssimo pianista. Com o público na mão o trio fez o que melhor sabe fazer: Jazz.
A máquina fotográfica ficou em casa mas os músicos pareceram não ter dado por isso.
O Lagos Jazz 2007 encerra hoje com o Lagos Jazz Summit, que reúne os sete professores dos workshops do festival, entre os quais os três acima mencionados.
Sinos afinados em Lagos.

05 abril 2007


Salazar, coitado, ganha um programa de televisão,
Zeca Afonso atinge o top de vendas de discos.
Os nacionalistas, coitados, decidem investir num cartaz,
o Gato Fedorento contra-ataca.
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Ainda dizem que o campeonato português não é competitivo...

03 abril 2007

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LXXXIX

Apanha bastante sol. Seca algum para, quando for necessário, o utilizares de conserva.



XC

A timidez é um problema relativo. Vai para a rua e grita bem alto que és tímido. Enquanto gritares, não és.

do Caderno de Pensamentos do Sr. Anacleto da Cruz

02 abril 2007

O LIVRO DOS BONS PRINCÍPIOS (XLIII)

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- Feromonas - disse o sr. Macjeito.
- Perdão? - perguntou o outro, que era fininho, corcovado e tinha cara de peixe.
- Feromonas, atracção animal, rebarba, cio - o sr. Macjeito agarrou o braço direito com a mão esquerda e rematou - tesão.
- E acha que isso explica tudo?
"Há tantas espécies de peixe", pensou o sr. Macjeito, "carapau, sardinha, tamboril" e declarou em voz alta - Você não imagina o que as feromonas têm feito pela história da humanidade.
- Mas o gajo era um bronco! Ela, vá lá, pode até dizer-se que é uma senhora, parece inteligente, cheira-me a que seja culta.
- Uma coisa sabemos: a tipa tinha dinheiro, podia pagar.
- Está a dizer que, para eles, era tudo uma questão de truca-truca?
- Agradeço que não ponha palavras suas na minha boca. Mas acho que sim, para ela seria isso, truca-truca, vai e vem, o que queira. Para ele não sei, talvez fosse só por causa do pilim, o dito carcanhol.
-De modo que, diz você, ele andava atrás do guito?
- Uma nota de cem aqui, uma gravata de seda ali, o gajo era um cromo, investia na fachada, lustrava a frontaria.
- E ela?
- Ela gostava da loja, o marmanjo vendia artigo especializado.
- Ferormonas...
- Isso - o sr. Macjeito deixou passar a gaffe do outro - apostava na cambalhota, tinha um lado secreto.
- Vai daí, evaporaram-se os dois. E agora o marido paga-me para a encontrar.
- E você - "Cara de besugo, o outro tinha cara de besugo, avermelhada e tudo" - quer que eu o ajude a si...
- Que trace o perfil psicológico dos dois, que me ajude a analisar os dados e a compreender as suas motivações.
- Pois. Para já podemos excluir o amor desta história. Além disso, é um bitaite meu, pode bem ser que encontremos um cadáver no meio desta trapalhada. Ou até dois.
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