09 março 2007

Grandes Portugueses Anónimos (V)

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O frade gordo e rechonchudo estava radiante.
- Uma iluminação divina, irmão, uma luz dos céus!
O outro, um homenzinho seco e escanzelado, de pele cinzenta e olheiras arroxeadas, olhou-o de lado, fazendo reluzir a sua enorme tonsura.
- Vai ao mestre pasteleiro, irmão, e pede-lhe meio quilo de massa folhada. - disse o gordo, saltitando.
- Foi mesmo Ele que te proporcionou a iluminação, ou só me queres dar trabalho?
- E de caminho traz-me oito gemas de ovo, meio quilo de açucar, limão, um copo de água grandinho, olha, traz dois, que um bebo eu, um litro de leite e duas colheres de sopa de farinha de maisena.
- Tens mesmo a certeza que foi Ele quem te iluminou? - perguntou o outro contrariado, enquanto se afastava ruminando uma novena.
O frade gordo foi esperando sentado até ter os produtos à sua frente.
- Ora bem, vamos lá a ver... Com a água e o açucar faz-se uma calda até atingir o ponto de espadana. Entretanto tu, irmão José, forras umas formazinhas pequenas com a massa folhada, com devoção e paciência que a inspiração é do alto. Agora mistura-se a farinha, o leite, as gemas e pranta-se a casca de limão nesta massa. Depois, com cuidado, verte-se para dentro da calda e vai-se mexendo sempre até engossar. Tu, irmão, enches as formas forradas de massa folhada com este creme e evita comê-lo, não cedas à gula. Eu, a seguir, ponho-os no forno bem forte, até estarem bonitos e tostadinhos.
- Só isso? Foi isso a tua inspiração divina?
- Shh, espera até provares e guarda segredo, a receita não se pode divulgar.
- E como lhes vamos chamar?
- Mas não levam nata...
- Shhhhhh, esse é o segredo, irmão. No futuro talvez lhe venham a pôr natas e sabe-se lá mais o quê. Ouve, irmão, servimos o alto mas somos portugueses cá de baixo. O segredo é que os pasteis de nata não levam nata, assim enganamos a concorrência e ganhamos uns cobres para o convento.
O magricelas levantou os olhos e agradeceu. Agora sim, estava finalmente convencido de que a iluminação viera com certificado de autoria.









2 comentários:

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Pois que te delicies hoje com estes ou outros doces milagrosos!

Muitos Parabéns, conterrâneo !;)

E beijo grande

Anónimo disse...

Obrigado, vizinha.