O homem estende uma nota de cinco euros e eu pego nela sem dizer nada. Tenho medo que ele se zangue se eu disser alguma coisa. Ainda me dói aquilo que ele me fez. Ainda me faz impressão a língua dele dentro da minha orelha, a minha pele arranhada pela barba mal feita, o peso dele em cima de mim, mas eu tenho medo de chorar e não choro. O homem disse que me ia dar uma Barbie e era mentira, disse que trocava a Barbie pelas minhas cuecas e era mentira, disse que era a Barbie mais rara do mundo e não era verdade. Agora olha para mim, manda-me vestir as cuecas e dá-me uma palmada no rabo enquanto solta uma gargalhada assustadora. Eu não as quero vestir por cima do sangue que mancha as minhas pernas mas tenho medo de lhe desobedecer. Ele veste-se, abre a porta e diz para eu sair sem que alguém me veja. Diz que me mata se eu contar alguma coisa e que mata os meus pais se eu lhes falar disto. Eu não lhe posso dizer que tenho medo de ficar aqui, com ele, nem que tenho medo de ir para casa, nem que tenho medo de que meus pais descubram o que se passou e ele os mate por isso. Não lhe posso dizer que tenho tanto medo, que nem me consigo mexer.
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3 comentários:
é um dos exercícios mais difíceis, escrever pela mão de uma criança. mais ainda, tratando-se de uma criança assustada com algo que não pode compreender.
bj
um princípio que não é "bom"... é mesmo um maligno princípio... no que os princípios tb são de moral..
concordo com a Diva: é um exercício difícil escrever neste registo... mas ia gostar de ler...
intenso, trágico, infelizmente verdadeiro.
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