26 dezembro 2006

O LIVRO DOS BONS PRINCÍPIOS ( XVII )

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Foi com relativa indiferença que acolhi, aí pelos meus seis ou sete anos, a revelação da não existência do Pai Natal. O mesmo não poderei dizer de quando, poucos anos depois, soube que algo semelhante se passava com D. Quixote e Sancho, a sua sombra anafada. A descoberta de que não passavam de dois seres de papel, tal como o meu amado Rocinante, encheu-me de tristeza e desilusão. Recordo-o agora, nesta minha viagem por terras manchegas que, segundo os meus cálculos, me era devida há trinta e dois anos, quando sonhava com vastas planícies e doces colinas, com moinhos e com gigantes desfazendo-se no horizonte.
Chama-se Carmen a minha Dulcineia e é por ela que percorro estas estradas com demasiada pressa e não me detenho a observar as paisagens de Quixote ( o que restará, ainda, do que viram os seus olhos? ) como sempre desejei fazer. Carmen, dizia, é bióloga, vive em Cuenca e faz pesquisa genética num instituto privado. Conheci-a em Lisboa, há pouco menos de dois meses. Acredito que ela se tenha apaixonado tanto por mim como eu por ela, prefiro ser positivo, esta é a primeira visita que lhe faço, não tenho outros planos senão estar com ela, reler Cervantes e percorrer alguns caminhos de Quixote. Encosto o carro e marco o número de Carmen. Telefonei-lhe esta manhã, ainda de Portugal, disse-me que estava impaciente pela minha chegada, sussurrou que me amava, senti o bafo do seu beijo através do auricular. O telefone toca do lado de lá. Espero. Carmenzita, mi amor, quero dizer-lhe no meu péssimo castelhano, queda poco, pouco mais do que cem quilómetros, até te encontrar outra vez. O telefone continua a tocar do lado de lá. Insisto. Nada, Carmen, mi Carmenzita, não atende. Deixo que passem dez minutos e volto a tentar. Começo a sentir-me nervoso. E se Carmen não responder?



O LIVRO DOS BONS PRINCÍPIOS
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1 comentário:

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

aproveitas para visitar uns museus ou O museu? :);)