27 novembro 2006

O LIVRO DOS BONS PRINCÍPIOS

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VII
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Mr. Gallagher acordou e preparou-se para o seu mergulho matinal. Abriu a porta, deu dois passos para o exterior, esbugalhou os olhos, fechou-os, voltou a abri-los e esfregou-os com as costas das mãos. Não restavam dúvidas: alguém roubara o barco.
A prometida beleza da manhã desvanecera-se subitamente, apesar de as águas se apresentarem lisas e límpidas, tão límpidas e tão lisas como se nunca, em qualquer circunstância, um barco as houvesse, sequer, tocado.
Mr. Gallagher sentou-se na velha escada de madeira e chorou. Uma tristeza imensa invadiu o vale, ensombrou o ar e abateu-se violentamente dentro de si. Não suportaria aquela perda. Depois da morte da mulher, o barco era a única alegria, a única nesga de vida que lhe restava. Uma pergunta começava, no entanto, a insinuar-se no seu espírito: como poderia um barco de seis metros ter desaparecido? A vida sorrira-lhe, houvera momentos em que se sentira verdadeiramente feliz, mas agora parecia querer vingar-se dele, fazê-lo pagar por cada momento de contentamento que ousara conquistar.
Procuraria o barco, haveria de reencontrá-lo, acabaria por rir-se do destino e olhá-lo bem de frente, olhos nos olhos. Tinha setenta e cinco anos. Rir-se-ia do destino sentado ao leme do seu velho barco e cantaria a canção que a mulher lhe ensinara, sobre o pedaço de vento que se apaixonara pela vela de um navio. Depois disso não se importaria de morrer. Afinal uma vida já gasta vale o que vale, e a dele valia apenas a concretização de uma última imagem: o barco ancorado de novo, diante de sua casa, pairando sobre as águas tranquilas do lago.
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Imagine o leitor-autor que pretende escrever um livro e não sabe por onde, nem como, começar. O LIVROS DOS BONS PRINCÍPIOS proporciona-lhe uma vasta gama de princípios para conto, novela ou romance que o leitor-autor poderá seleccionar livremente. Depois terá apenas que escrever o resto demorando o tempo que entender.
Às Segundas-feiras no Afinador de Sinos
às Terças no Divas e Contrabaixos
às Quartas no Ponto.de.Saturação

2 comentários:

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Texto belíssimo. e o livro acaba com uma visão de Mr. Gallagher de costas, dentro do barco, a remar, até o perdermos de vista na neblina.

Anónimo disse...

Aí está, de facto, um belo final.
E entretanto? O que acontece?
Haverá um leitor disposto a prosseguir?
Um beijo, Maria.