28 março 2007


LXXXVII

Anda de metro. De metro em metro percorrem-se quilómetros.



LXXXVIII

Se a minhoca se achar serpente, não a desiludas. Deixa que ela te crave os dentes e finge que morres.

do Caderno de pensamento do Sr. Anacleto da Cruz

27 março 2007

ADELA CLARK LUIGI ABBONDANZA


actores da minha peça "O Filme"

e TEO BRUNA
no cartaz português de Superguru

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Hoje o dia é deles.

26 março 2007

SALAZAR... (HUMOR SOBRE HUMOR)
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Daqui a uns anos, quando a pergunta sacramental fôr - Onde é que tu estavas na noite em que elegeram Salazar?, eu vou pôr um sorriso e responder - Na net, a combater.
-Ah, sim? E o que é que fizeste?
E eu, orgulhoso, vou poder dizer - Elegi o tipo do papel higiénico preto!
O pior é que, nestas coisas do humor, nunca nos levam a sério.

O LIVRO DOS BONS PRINCÍPIOS (XLI)

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Havia um paísinho tristonho e enfadonho onde os seus habitantes tinham o estranho costume de andar sempre em marcha-atrás. Com a passagem do tempo adquiriram uma estranha deformidade no pescoço que os impedia de olhar para a frente, a não ser por breves períodos.
Nas escolas, nas empresas, nas reuniões, nos cafés, à mesa, durante as refeições, etc., estavam sempre de costas uns para os outros. Esse facto, aliado às dores que sentiam nos braços por, para verem o que faziam, realizarem a maior parte das tarefas ao contrário, dava-lhes uma má-disposição permanente e grande descrença nas suas capacidades.
Como resultado de tudo isto tornou-se mais fácil destruir do que construir, isolar do que reunir, desconfiar do que apoiar. Recebiam bem e manifestavam certa simpatia pelos estrangeiros que, esforçando-se, aprendiam rapidamente a andar em marcha-atrás. Em contrapartida sentiam algum ultraje e desconforto perante aqueles que teimavam em preservar costumes como caminhar ou olhar em frente.
A população ria-se muito quando um deles dizia - Isto é um paísinho cinzentonho e medonho -, achava graça, batia palmas atrás das costas, havia logo quem acrescentasse - merdonho, amigo, paísinho merdonho - e ouviam-se mais palmas batidas atrás das costas. Mas se era um estrangeiro a dizer as mesmíssimas palavras, olhavam-no de frente e ensaiavam um remoque meio engasgado. Olhar alguém de frente enquanto se ensaia um remoque meio engasgado era, no paísinho, o maior sinal de desprezo que se podia dar a outro.
...
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hoje aqui, amanhã no

25 março 2007

Grandes Portugueses Anónimos (Especial)

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Para os meus amigos São e Pedro


Antecipando-se a um programa de televisão que hoje elegerá um português - ver-se-á se dos grandes ou dos pequenos - o Afinador, numa clara jogada de antecipação, vai agora nomear o maior dos Grandes Portugueses Anónimos Vivos.

Sabendo-se que o anonimato é, hoje, uma das qualidades mais difíceis de alcançar, o Afinador de Sinos decidiu promover a Anónimo uma pessoa cujo nome se conhece, tal a importância e o modo como uma realização sua o destacou dos demais.

Poupem-se os encómios e evitem-se as loas, palavra alguma iluminará suficientemente a sageza, a visão e a subtileza deste Português.

O incontestado e nada polémico vencedor do prémio Grande Português Anónimo Vivo é, nem mais, nem menos, a pessoa que concebeu e lançou o mundialmente famoso - símbolo de bom gosto, elegância e distinção - papel higiénico preto.



23 março 2007

Reordenar o mundo...
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A estupidez não tem limites e não pára de nos surpreender, especialmente quando pensamos que já perdemos toda a ingenuidade. Eu também lhes chamaria fascistóides. Mas desafio Francisco José Viegas a mostrar onde está a palavra ecologistas neste artigo.

Grandes Portugueses Anónimos (VII)




Poderia ter sido qualquer um e ter nascido em qualquer época. Sabe-se que as suas invenções resistiram ao sinal dos tempos, aos regimes, às tendências políticas e se tornaram uma espécie de tatuagem na alma portuguesa, seja isso o que for.

Surgem onde quer que exista meia dúzia de portugueses e medram fortemente em latitudes e condições bastante diversificadas, como se pode aquilatar facilmente em todos os países que praticam a lusofonia.

Abram alas à sua passagem e curvem-se respeitosamente os milhões que lhe são devedores. Aceita-se como legítimo o pensamento de que alguém sem méritos próprios, sem rasgos de espírito, sem independência, sem noção de cidadania, só pode tornar-se grande entre um povo muito pequeno. Mas reconhece-se que instituiu uma marca indelével e permanente que justifica a sua nomeação como Grande Português Anónimo.

Falamos do homem que inventou não uma, mas duas instituições das quais depende, desde há séculos, a estabilidade da nação: a cunha e o tacho.


22 março 2007

LXXXV

Tem opiniões próprias. Mesmo que as vás buscar aos outros.



LXXXVI

Amarra o teu barco a um porto que ande à deriva. Assim podes viajar enquanto estás parado.

do Caderno de pensamentos do Sr. Anacleto da Cruz

21 março 2007

Esta oliveira bimilenar é a mais velha da sua espécie em Portugal e,
provavelmente, a árvore portuguesa mais antiga.
Pode ser visitada em Pedras d'el Rei, Cabanas, concelho de Tavira.
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Já agora saiba-se que esta lista existe, que a retirei de um blog
chamado Dias com árvores, e que a dita lista deveria continuar a crescer.
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No Algarve, além da oliveira da foto, podem encontrar-se ainda estas

poesia - dia da

o meu colega fernando pessoa
cultivava a heteronimia.
compreendo-o. não é porém
o meu caso.
eu cultivo ser eu, nada mais,
nada menos. partir de mim e
regressar a mim, ou,
como tem acontecido, partir de mim
e não regressar a esse. deixar o mim
de ser o tal. passar o mim a ser
outro. de cada vez que fala o outro
dizer eu. às vezes dizer eu e não saber
qual o mim que fala. eu escolhi
o mais simples: ser,
apenas, quem for.
o meu colega fernando pessoa
escolheu a heteronimia.


será que o compreendo?


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20 março 2007

O dia 20 de Março de 2003 foi um bom dia para os produtores de champanhe francês. Por cá também saltaram muitas rolhas, nomeadamente em São Bento. Mas Durão Barroso não foi o único a sustentar a invasão que o império de pés de barro dava antecipadamente por vitoriosa. Eu, a esta distância, ainda oiço as rolhas de Morais Sarmento, Vasco Rato, Luís Delgado, e tantos outros que, entretanto, optaram pelo low profile que hoje cultivam sobre o assunto.
Talvez valha a pena, porque eles têm nome, repetir aqui esta pergunta.

18 março 2007

O LIVRO DOS BONS PRINCÍPIOS (XL)

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Frei Bernardo Xavier tinha dificuldades em manter os votos de silêncio quando bebia um copinho a mais de vinho de missa. Essa era, de resto, a única mácula que os seus piedosos irmãos lhe apontavam nos raros momentos em que falavam, entre si, sobre si próprios. No mais era frugal e diligente, activo e sempre pronto a ajudar o próximo. Penitenciava-se cuidando como nenhum outro das rosas, camélias e vinhas do convento. Envergonhava-o moderadamente a sua simpatia pelo vinho, especialmente o fino e doce que usavam nas celebrações, e aplicava-se com esforçada devoção na poda das videiras, na selecção das castas, na escolha dos bagos, na maceração do mosto.
O viciozinho do vinho era o único traço que o ligava à sua existência anterior, à outra vida que tivera. Nunca, antes ou depois, fora do género contemplativo e meditabundo, os mistérios da criação e a redenção das almas ficavam ao cuidado dos seus colegas mais místicos e mais dados às questões espirituais. Retirara-se do mundo e enclausurara-se ali porque jamais fora capaz de esquecer o olhar desesperado daquela mulher a quem, não a podendo amar, amara doentiamente.
Não fora um amor vulgar, semelhante a tantos outros amores proibidos. Quando ela lhe lançou o olhar que para sempre o atormentaria, já os dois frascos de veneno para ratos estavam vazios, já os seus orgãos rebentavam por dentro, já o seu adeus entrava na eternidade. Estava-se no início da primavera de mil novecentos e sessenta e sete...
...
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compra-se aqui às segundas
e no
às terças
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16 março 2007

Caruso - Gigi Finizio Lucio Dalla Gigi D'Alessio

Arrumar a oficina dá nisto! Uma colecção de sinos italianos já velhinos que o Afinador guardou há muito tempo, ma tanto, tanto tempo. Gli voglio bene, sai?

Gianna Nannini - I maschi

Roça muitas vezes o mau gosto, mas tem esta voz...

Paolo Conte - sotto le stelle del Jazz

O Afinador andava a arrumar a oficina e encontrou este velho sino perdido a um canto. Limpou-lhe o pó e pô-lo a uso. Não precisava de afinação.

14 março 2007

Grandes Portugueses Anónimos (VI)

É o mais anónimo de todos os que aqui trazemos.

Ter-se-á destacado terçando armas junto do ainda imberbe Afonso Henriques. Ganhou, aos olhos do futuro rei, ascendente suficiente para um dia, provavelmente uma noite, lhe dizer:

- Deixa a tua mãe em paz, Afonso, não é bonito continuares a bater-lhe. Bater por bater, vamos passar a ferros aqueles morenos lá de baixo, divertimo-nos na mesma e ficas mais bem visto junto do resto da família.

Afonso tê-lo-á olhado em silêncio, sem responder.

- E, ainda por cima, aproveitas e fazes um reino, é bastante melhor do que um condado. Chamar-te-emos rei, faremos da tua mulher, quando a tiveres, nossa rainha, terás maior legitimidade para bater em quem te der na veneta, só o Papa e o Arcebispo de Braga te poderão repreender.

A frase de D. Afonso, que não sendo ainda monarca não dispunha de cronista privado, atravessou os tempos:

- Bora lá, bora já, tamos nessa.

A esse Grande Português Anónimo agradeceu encarecidamente D. Teresa pela valia dos seus conselhos junto do filho. Caso contrário o rapaz haver-se-ia precipitado sobre a Galiza, Astúrias, Leão...

A actual pressão populacional sobre o litoral faz com que todos nós lhe devamos um agradecimento especial e o resgatemos das malhas do olvido. Foi ele, afinal, que ofereceu a grande parte da população portuguesa o magnífico pôr-do-sol sobre o mar.
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foto gentilmente roubada a MRF

13 março 2007


LXXXIII

Quem não arrisca risca ar.



LXXXIV

Há tanto tempo que matas o tempo e que o tempo não morre. Mas é só uma questão de tempo e um de vós…

do Caderno de Pensamentos do Sr. Anacleto da Cruz

12 março 2007

O LIVRO DOS BONS PRINCÍPIOS (XXXVIII)

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Caíra uma vaca na praia e os homens da aldeia discutiam entre si como haviam de a remover. O animal aproximara-se demasiadamente da falésia, o chão cedera sob o seu peso e viera cá parar abaixo.
Tratava-se de uma pequena aldeia junto à Enseada dos Milagres, na Ilha das Tempestas. Pelos vistos acontecera novo milagre, já que a vaca não sofrera um único arranhão depois de uma queda de quase vinte metros.
A aldeia não dispunha de uma grua capaz de a içar e devolver ao pasto, o bicho recusava-se a subir a escadaria tosca que as pessoas utilizavam. Alguém trouxera um bote baixo e largo que se revelara inútil, havia já quem achasse que só morta e retalhada em quartos se poderia recuperar a carne, todo o restante trabalho seria pura perda tempo.
Foi então que surgiu o estrangeiro. Era um homem alto, louro, falava uma língua eslava que ninguém compreendia e, em vez de palavrear, arregaçou as mangas, explicando-se por gestos. Seriam necessárias cordas, o homem fez o gesto de alguém enforcado, um tronco, o viajante desenhou uma árvore na areia e retirou-lhe os ramos, e uma roldana, "disse" ele rodando os indicadores, um sobre o outro. Não era momento para desconfianças e reservas, e a gente da aldeia foi-se unindo e seguindo as suas indicações. Quando a vaca regressou ao lugar que lhe pertencia e foi pacatamente juntar-se às outras, todos o olharam como se fosse um deles. Foi por essa razão que ele, pouco a pouco, ano após ano, se tornou um tempestino e deu origem a uma prole que se destacou no governo e nos negócios da ilha.
A filha mais velha...
...
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continua amanhã no Divas & Contrabaixos
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09 março 2007

Grandes Portugueses Anónimos (V)

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O frade gordo e rechonchudo estava radiante.
- Uma iluminação divina, irmão, uma luz dos céus!
O outro, um homenzinho seco e escanzelado, de pele cinzenta e olheiras arroxeadas, olhou-o de lado, fazendo reluzir a sua enorme tonsura.
- Vai ao mestre pasteleiro, irmão, e pede-lhe meio quilo de massa folhada. - disse o gordo, saltitando.
- Foi mesmo Ele que te proporcionou a iluminação, ou só me queres dar trabalho?
- E de caminho traz-me oito gemas de ovo, meio quilo de açucar, limão, um copo de água grandinho, olha, traz dois, que um bebo eu, um litro de leite e duas colheres de sopa de farinha de maisena.
- Tens mesmo a certeza que foi Ele quem te iluminou? - perguntou o outro contrariado, enquanto se afastava ruminando uma novena.
O frade gordo foi esperando sentado até ter os produtos à sua frente.
- Ora bem, vamos lá a ver... Com a água e o açucar faz-se uma calda até atingir o ponto de espadana. Entretanto tu, irmão José, forras umas formazinhas pequenas com a massa folhada, com devoção e paciência que a inspiração é do alto. Agora mistura-se a farinha, o leite, as gemas e pranta-se a casca de limão nesta massa. Depois, com cuidado, verte-se para dentro da calda e vai-se mexendo sempre até engossar. Tu, irmão, enches as formas forradas de massa folhada com este creme e evita comê-lo, não cedas à gula. Eu, a seguir, ponho-os no forno bem forte, até estarem bonitos e tostadinhos.
- Só isso? Foi isso a tua inspiração divina?
- Shh, espera até provares e guarda segredo, a receita não se pode divulgar.
- E como lhes vamos chamar?
- Mas não levam nata...
- Shhhhhh, esse é o segredo, irmão. No futuro talvez lhe venham a pôr natas e sabe-se lá mais o quê. Ouve, irmão, servimos o alto mas somos portugueses cá de baixo. O segredo é que os pasteis de nata não levam nata, assim enganamos a concorrência e ganhamos uns cobres para o convento.
O magricelas levantou os olhos e agradeceu. Agora sim, estava finalmente convencido de que a iluminação viera com certificado de autoria.









Esta revista fez anos ontem. A discussão é antiga, uns de nós dizem que fez 28 anos, outros 29. A conclusão é que se envelhece depressa.

08 março 2007

DIA INTERNACIONAL DA MULHER
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Homens e Mulheres que não sejam facilmente impressionáveis
vejam estas imagens
e seguintes
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LXXXI

Porfia. Se te vires por um fio, porfia.



LXXXII

Arma-te em parvo. Foi assim que começou a corrida ao armamento.


do Caderno de Pensamentos do Sr. Anacleto da Cruz

06 março 2007

Grandes Portugueses Anónimos (IV)

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É hoje pacífico que se tratava de uma mulher, apesar do aceso debate que existiu ao longo dos tempos entre antropólogos e historiadores.

Imaginamo-la com o bigode já um pouco grisalho e com a barba escondida pelo lenço que usava amarrado debaixo do queixo. Terá visto a luz coada pelos fumeiros de Montalegre, ou reflectida nas escarpas enegrecidas de Pitões das Júnias, ou afagando os granitos arredondados de Montemuro.

Foi a grande estilista da sua época. Sem ela Humphrey Bogart não teria sido Humphrey Bogart, os detectives não usariam gabardinas, os impermeáveis não existiriam, os gauleses desconheceriam o actual significado da palavra griffe, Fátima Lopes permaneceria ancorada no seu rochedo natal. Sem as suas bochechas coradas e sem o seu sorriso desdentado o conceito contemporâneo de bio-arte estaria por inventar, a indústria têxtil daria ainda os primeiros passos.

Paris e Milão aproveitaram o seu contributo para a História melhor do que Lisboa, incapaz de avaliar a real dimensão do seu génio, e permanecerá, cá como lá, anónima até ao findar dos tempos.

Ganhou, pelo seu inquestionável bom-gosto, pelo atrevimento das suas propostas e pela sua lendária noção de espectáculo, o direito de ombrear com os raros Grandes Portugueses Anónimos, a autora e criadora da capa de burel e da croça de juncos.

Grandes Portugueses Anónimos (III)

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Foi, projectando a sua sombra na planura alentejana quando ousava caminhar sob o sol, o pai da ecologia moderna. Homem de grande visão, prenunciou a política dos três erres e compreendeu os perigos da destruição da camada de ozono por libertação dos CFC. Trisavô dos frigoríficos contemporâneos, tetravô do micro-ondas, avô da garrafa termo dos nossos dias, retirou matéria-prima das árvores sem as abater. O design, como disciplina futura, não lhe era estranho.
A mulher de pêlo na venta que lhe deu os filhos preparava-lhe a açorda e ele comia-a ainda quente nos montes, remediava-lhe um gaspacho e ele papava-o fresquinho sob a copa do chaparro.
A justiça ecológica chegou tarde e só agora reconhecemos a pertinência de figurar entre os Grandes Portugueses Anónimos o visionário e primeiro utilizador do cucharro e do tarro.

05 março 2007

Ela postou estas (O melhor concurso...) treze palavras - contando com o "o" e o "de".
Eu agradeço.

O LIVRO DOS BONS PRINCÍPOS (XXXVI)

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Cheguei a casa e descobri que estava morto, substituído e em vias de ser esquecido.
Marta, a minha mulher, encontrara em Jim um novo marido e Júlia, minha dilecta filha, via nele um novo pai. Além disso havia Charlie, filho de Jim. Sentámo-nos à mesa ( a minha antiga mesa, na sala da minha antiga casa ) e conversámos. Chorámos todos, até Jim, que me pareceu ser um tipo às direitas. Marta e Júlia, passado o susto, ficaram contentes por me ver. Fui ultrapassado por Jim no coração de Marta e penso que terei que me habituar a isso, mas não quero que Júlia esqueça quem é o seu verdadeiro pai.
É principalmente por ela que me sento neste limbo onde me encontro, para escrever, ponto por ponto, todas as recordações dos quatro anos de amnésia por que passei.
...
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sai aqui às segundas
e no Divas & Contrabaixos às terças
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02 março 2007

Grandes Portugueses Anónimos (II)

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É provável que fosse ribatejano e que o acometimento que o transformou num Grande Português se tenha passado em plena lezíria.
Ter-lhe-á acontecido um momento de distracção, ou de soberba, ou de fanfarronice. O certo é que lhe bastou uma fracção de segundo para decidir se morria perfurado e sem glória ou se ganharia a História, ainda que anonimamente.
O bicho investia desenfreado e não havia esconderijo que fosse viável. O homem olhou os cornos e, num relance, tirou-lhes as medidas. Entre o esquerdo e o direito havia espaço para um tipo que não se excedesse de cintura. No momento seguinte revolteava no ar, agarrado com unhas e dentes à cabeça do chifrudo. O animal sacudia-se, o indígena resistia, o bicho insistiu até estacar de cansaço e surpresa. O nosso homem olhou-o de frente e foi-se afastando às arrecuas. Quando a distância lhe pareceu suficiente fugiu a sete pés, com uma velocidade digna de um descendente de Viriato.
Dirigiu-se à primeira tasca e entrou nela, ufano e gabarolas, com o rei na barriga e restos de pelo de bovino nos beiços.
Prometeram-lhe um jarro de vinho e uma sandes de courato se repetisse a proeza. Aceitou, desde que os outros o seguissem para testemunhar o feito. Os tais, sem árvores por perto para se esconderem, puseram-se em fila, o de trás a tentar que o da frente o tapasse, cada um com mais medo do que o próximo. O da frente, saboreando já o courato e a pomada, encheu-se de ar e pôs-se a gritar olés, de mãos nos quadris, a provocar a besta.
O resto da história conhece-se e, em tempos politicamente menos correctos, o gesto do anónimo correu o mundo como cartaz de promoção do país.
O nosso Grande Português, num improviso genial e repentino, acabara de descobrir a Pega de Caras.

01 março 2007

Grandes Portugueses Anónimos

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O Afinador de Sinos, nestes tempos em que se discutem portugueses de todos os tamanhos, vai recordar alguns grandes, anónimos, inventores, patuscos e descobridores de mundos que o mundo ignora.
A lista não segue qualquer critério, a não ser o velho critério português de não seguir critério algum.
- É um prato improvável para não lhe chamar inimaginável. A verdade, contudo, é que um português o imaginou. Lembrou-se o indígena de misturar favas, gordura e sangue de porco, uma pouca de açucar, coentros, hortelã,sal e rama de alho e acompanhar este conduto com peixe frito. Pode-se não acreditar mas estes ingredientes casam na perfeição e o tempo das favas frescas está a chegar. Homenageie-se, pois, o anónimo inventor das favas com peixe frito:
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1 Kg de favas descascadas
200g de toucinho
1 morcela média
2 colheres de sopa de azeite
2/3 folhas de hortelã
rama de alho
coentros
2/3 colheres de chá de açucar
sal grosso
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Cozem-se todos os verdes juntamente com o azeite e o sal. Devem cozer-se em pouca água, não os chegando a cobrir. Corta-se o toucinho aos bocados e frita-se na sua própria gordura. Junta-se-lhe, um pouco mais tarde, a morcela cortada às rodelas. Verte-se esta fritada e seu unto sobre as favas cozidas e mexe-se tudo até envolver, deixando apurar alguns minutos. Serve-se acompanhado de sardinha frita, ou peixe misto frito, e salada de alface.
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Só um Grande Português poderia ter inventado uma coisa destas. Não deslustraria se figurasse na capa de qualquer almanaque de História Universal. Imaginação e ousadia, a sério, é isto.